Entre palmeiras enfileiradas construiu-se a estrada de ferro que passava por aquelas paragens.
De longe vieram trabalhadores, peças e apetrechos para a construção.
Algum tempo depois, a inauguração. Festança na cidade! Alegria na passagem da Maria-fumaça. Todos, às margens da estrada, ficavam de prontidão à sua passagem. O longo apito a vapor fazia com que corações pulsassem mais fortes. O pai, a mãe e os filhos, todos corriam por seus próprios pés ou pelos pés daqueles que os conduziam no colo.
Os olhos brilhavam de alegria. Era festa! Ao passar, a nuvem de fumaça espalhava fuligem por toda a casa e plantações. Era festa! A alegria de todos fulgurava. Os dentes à mostra. Bocas completas ou incompletas - não fazia mal. O importante era mostrar a alegria que transbordava do coração.
O tempo foi passando. O espaço entre os trens foi aumentando. O preço da passagem, sempre um tantinho. Começaram os problemas de manutenção do leito.
O gado já podia pastar entre dormentes e trilhos, pois o espaço já era tão grande. O apito ao longe vinha também avisando a eles que a composição se aproximava. Era tempo suficiente para quedarem-se para as margens.
Os pequeninos já não se vinham com tanta freqüência assistir à passagem do trem. Os de colo, já crescidos, fixavam seus olhos na televisão ligada a uma bateria de carro (única fonte de energia). O maquinista raramente podia acenar com alegria para aqueles que já rareavam ao longo de sua passagem.
Veio o inevitável: o trem parou! O trem deixou de apitar; deixou de espalhar fuligem pela casa da Maria; deixou de cobrir de fuligem o milharal do Zé; deixou de assustar as vacas e os cavalos do João.
Mariozinho, já grandinho, não mais fez o tiro-de-guerra: seguiu para a cidade-grande e de lá não mais retornou para fixar-se: só a passeio; e cada vez mais espaçados. Maria já chorava a lembrança dele.
O capim já tomava conta dos dormentes! O gado já se escasseava por causa dos muitos problemas que envolviam a região. Faltava tudo: mão-de-obra, sementes, dinheiro para comprar as sementes e água para irrigar a plantação. Faltava boi para puxar o carro. Faltava paiol para guardar o milho. Faltava quem comer o milho. Nem mandioca mais tinha. Nem melado nem a pinga divina da roça. Nem chaminé mais soltava fumaça.
Já havia energia elétrica, televisão e fogão a gás. O milho vinha de um imenso supermercado.
Aí surgiu a notícia devastadora. O governo, ah! o governo, decidiu aproveitar o leito (será que ainda existe?) da estrada de ferro para construir uma rodovia.
Pasmem, mas é verdade.
Assim, retornamos ao início da história. Com a construção da estrada, sua inauguração...
P.S. as palmeiras ainda estão lá...
Texto publicado no livro: Histórias da Roça - 1ª edição - 2003
pelo espírito: Monteiro Lobato
na Casa de Catarina - RJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário
A sua manifestação é importante para o aprendizado de todos que chegarem a este blog.